Pediram-me para divulgar...
"Aurore de Sousa, A cidade azul, fragmentos de uma realidade inefavel
Empoleirada na mais alta colina de lisboa, Aurore de Sousa marca o seu terreno a baliza, através do olhar, a cidade da qual se apropria. Ela redescobre a felicidade de falar português e cristaliza cores e historia na busca de uma Lisboa ao mesmo tempo familiar e renovada. Lembra-se de que a lenda diz que Ulisses foi o fundador da cidade e explora a persistência da memoria ; a sua fotografia faz-se mineral, tendo por suporte o grao da pedra da Torre de ulisses que ela aveluda de azul.
A fotografa restitui-nos as imagens do noivado entre a pedra e a agua , os icones de uma quimera sensivel na qual a lembrança se move com força. As velhas paredes imutaveis do Castelo Sao Jorge animam-se de demaos resplandecentes, as proprias pedras traspiram imagens : o rosto de Amalia Rodrigues estremece por cima de um mar que seia comme a musica da sua alma, o corpo improvavel de uma bailarina da companhia de dança de Pina Bausch junta-se a uma vaga de cravos, a efigie de Camoes triunfa da miséria, Calouste Gulbenkian parece observar o mundo.
Tratados da mesma forma que estas personagens, os locais arquitectonicos emblematicos nascem sobre a fortaleza. Doirada pela demao cor – de – laranja, a Torre de Belém assinala estes confins da Europa e lembra que Portugal é uma terra de sonhos, de partidas e que o oceano é patrimonio seu.
Uma composiçao de azul inédito constroi um auto – retrato. Que se vê nele ? Quatro rectângulos de um azul singular, tao intenso quanto o dos quadros da Renascença que confirma a nobreza da personagem, envolvem uma cabeleira solta, saturada de ruivo flamejante, exuberante, qual alegoria de uma outra realidade. E apenas aqui que o corpo da fotograga se manifesta , saindo a brincar do preto e branco e, de costas, buscando novos horizontes.
Para a fotografa, Lisboa é constituida por uma série de bairros luminosos, percurso de uma luz azul, subindo das àguas do Tejo e do Mar da Palha. Na sua objectiva, os azulejos deslizaram para a aguarela. Ela justapoe – os à imagem de uma rua, sempre a mesma que um relogio domina, condensando um tempo imutavel, enquanto os transeuntes, todos diferentes , pisam as lajes pretas e brancas na atmosfera rosada que se desprende da fotografia. Que fazem estas pessoas ? Que faziam os que se ebcontravam em Lisboa naquele dia de Novembro de 1755, quando o terramoto os engoliu, ao mesmo tempo que a uma parte da cidade ? Corpos mortais no reino do instante eles incarnam a força magnética de uma abtiga inocência.
Aurore de Sousa trabalha nas suas fotografias o surgimento da historia dolorosa, metamorfoseada em memoria em movimento. Ela devolve a vida aos « cem mil desgraçados que a terra devorou », chorados por Voltaire, associando tempo e cor, movimento e imobilidade. Faz desta cidade um espaço mental e psiquico. Aurore de Sousa dispoe as suas imagems, dispoe das suas imagens, edificando a construçao original de seu trabalho e exprimindo, assim, a sua maneira actual de estar no mundo. Nao hà monotonia : ela justapoe com precauçao, mistura com medida e consegue, assim, encurtar distâncias, anular o tempo.
Oferece-nos as imagens de um momento que vive em comunhao com a cidade, em entendimento com a sua historia, e explora todos os campos possiveis – cor, preto e branco, composoçoes – para deles se fazer tradutora universal .
A fecundidade desta deambulaçao por Lisboa é incontestavel. Contemplam-se as suas imagens ; tudo é ao mesmo tempo proximo e longinquo no labirinto lisboeta e pouco a pouco surge a evidência de que o proprio tempo se torna fotografia e que aflora o que poderia chamar-se a consciência do exilo.
Este trabalho estruturado pela estadia na « cidade branca » é animado pelo prazer de inventar paisagens e arquitecturas reveladas por um pigmento fotografico. O mosaico narrativo que daqui resulta restitui a poesia aos lugares.
Fabienne di Rocco, Colaboratrice de Eduardo Arroyo" (encontra-se igualmente em exposição nos encontros de fotografia, em Braga, no museu da imagem) |